Newsletter Vol. 244

Na newsletter desta semana nosso time fuça seus apps de streaming e suas discotecas (físicas) especiais para revelar o que anda nos plays recentes, embalando seus dias. São dicas especialíssimas que revelam os gostos pessoais do grupo e reforçam toda a diversidade apresentada semanalmente em nosso podcast.  


RECENT PLAYS

Por Bruno Leo Ribeiro

MOMENTO DE VER O CHEFE

Bruce Springsteen & The E Street Band played San Francisco's Chase Center  (night 1 pics, video, setlist)

Existem shows que mudam nossas vidas, e já fui em vários. Mas alguns deles são mais especiais que outros. O primeiro show a que fui com meu filho de 11 anos é inesquecível. O primeiro show em família também. O grande show com minha filha também, e na última quinta-feira, dia 28 de março, foi mais um desses.

Depois de fazer uma viagem até Portland, no Oregon, para ver meu primeiro show do Bruce Springsteen em fevereiro do ano passado (por achar que ele não passaria em San Francisco), fui no segundo show dele, mas dessa vez levei o meu filho Arthur.

Assim que saiu o disco “Letter To You” no meio da pandemia, lembro que ficava assistindo ao documentário da gravação do disco no AppleTV+ e meu filho ficava assistindo comigo. Depois, ele pediu para ouvir o disco de vinil junto comigo, e sua favorita sempre foi “Ghost”.

Então saímos de casa para San Francisco (moro cerca de 40 minutos ao sul de San Francisco) e pegamos a famosa freeway I-280. Faltando 15 minutos para chegarmos ao Chase Center, ouvimos um barulho alto. O pneu do carro estourou. Parei no acostamento e troquei o pneu quase tão rápido quanto os engenheiros da Fórmula 1, mas mesmo assim não deu tempo de chegar com antecedência.

Perdemos a primeira música do show, a estreia na turnê de “Something in the Night” do “Darkness on the Edge of Town”. Mas apesar de ficar triste por perder, logo em seguida, o Max Weinberg puxou a entrada de bateria de “Ghost”, e ali foi mais do que especial. O sorriso do Arthur e a alegria dele cantando junto com o The Boss valeu a pena a aventura do pneu do carro.

O show seguiu maravilhosamente bem. Acabava uma música, e o Bruce já gritava, “1, 2, 3, 4”, e já puxava outra música. Uma atrás da outra. Uma versão Director’s Cut de um show do Ramones.

No meio do show, o Bruce pegou um cartaz de um fã que dizia “esse é meu vigésimo show e ainda não vi “Atlantic City””. Ele mostrou o cartaz para a E Street Band e, com aquele ar de “galera, se virem aí!”, ele começou a tocar uma das minhas favoritas dele, um grande clássico do “Nebraska”, que já falei aqui nessa newsletter.

O show seguiu com suas 27 músicas e 3 horas de duração. Não poderia ter sido mais perfeito. Se tivesse um show do Bruce toda semana, eu iria. Desses shows transformadores.

Existe um Bruno Leo Ribeiro de antes e depois desse show. Principalmente pela presença do meu pequeno ali ao meu lado. Música é a arte mais especial. Ela nos conecta com os artistas, mas principalmente nos conecta com outras pessoas. E isso é o que vale. Vivo por esses momentos.

Ouça Bruce Springsteen e se der, vá num show.


Por Vinícius Cabral

O SOM DO FIM DO MUNDO NÃO FOI REGISTRADO

Essa é a primeira vez que vou falar de uma banda nesta coluna que não é, necessariamente, para ninguém ouvir. Quem quiser, claro, ouça (por sua própria conta e risco). Mas o objetivo do texto é muito mais contar uma história. A história de uma banda que, de certa forma, nunca existiu: a japonesa Les Rallizes Dénudés, formada no Japão em 1967.

Liderada por Takashi Mizutani, a banda tinha 4 regras. A 1ª: nunca gravar nada em estúdio. A 2ª: toque apenas com músicos para quem mesmo o menor desvio do riff certamente será calamitoso. 3ª: Nunca divulgue registros (nunca, jamais). 4ª, e última: Persista por três décadas até que o mundo exterior perceba.

Eles seguiram as regras à risca, até que o mundo exterior finalmente começou a alcançar. Em 1991 lançaram alguns bootlegs em CD, e voltaram a se apresentar em 1993. Os bootlegs apareceram no Bandcamp (e em alguns canais do YouTube) muito recentemente. Segundo o texto do primeiro destes bootlegs (linkado abaixo), gravado a partir de apresentação em 1993, as portas da casa de shows tremiam, e pessoas corriam para o lobby, para se proteger do ataque sônico de guitarras ensurdecedoras. As descrições são de algo legendário, realmente impossível de ser registrado. Quem estava lá ouviu, sentiu e viveu. A nós, resta uma captação digital em 8 canais. Insuficiente, certamente, mas é só o que temos:

[bandcamp album=2623501687 size=large bgcol=ffffff linkcol=333333 artwork=small transparent=true]

E aqui cabe um parêntesis, que parece ser a cereja no bolo para uma banda que viveu intensamente aquilo que propôs artisticamente. A banda teve uma interrupção em 1970, quando o baixista Moriaki Wakabayashi participou do sequestro de um voo comercial. Afiliado ao braço radical comunista chamado “Facção Exército Vermelho“, Moriaki e quatro camaradas invadiram o voo 351 da companhia aérea Yodogo, com explosivos e espadas samurai. Fizeram a tripulação de refém e exigiram que o voo fosse para Cuba. Por motivos técnicos, o avião não poderia rumar para Cuba, o que obrigou os sequestradores a seguir para a Coreia do Norte.

E é aí que a história fica ainda melhor: controladores de voo deram instruções erradas aos pilotos, que pousaram no aeroporto de Seoul, na Coreia do Sul, disfarçado pelas autoridades para se passar por Pyongyang (a capital da Coreia Popular). Ao saírem do avião, os sequestradores ouviram Jazz estadunidense tocando no sistema de som do aeroporto, percebendo imediatamente a fraude. Liberaram alguns reféns e rumaram à Pyongyang. Recebidos como heróis da revolução, os militantes ficaram por lá. Alguns voltaram ao Japão (onde enfrentaram a justiça), mas Moriaki Wakabayashi continua na capital da Coreia Popular até os dias de hoje.

Se vocês estão achando que isso tudo é espetacular demais para ser verdade, tenham em mente o fato de que eu não escrevo nada sem pesquisar muito sobre o assunto. O evento é largamente documentado em matérias como esta do The Guardian. Wakabayashi, isolado no regime coreano, certamente não deve ter notícia do quanto seu feito, e sua ex banda, ainda são motivos de pesquisas, paixões e registros acadêmicos. Trata-se de uma banda que propõe um front no campo musical. E que nos traz, assim, uma história de coerência (rara) entre discurso e ação.

Les Rallizes Dénudés é um projeto revolucionário. Propuseram combater – e combateram – o que Alessandro Sbordoni chama neste volume encantador e visionário de “fascismo da engenharia de som”. Apostaram no noise-rock como arma contra hegemônica, criando algo tão barulhento e fora de padrão que nenhum registro conseguiu preservar.

Criaram uma trilha para o fim do mundo que nunca veio. Mas que ainda pode ser imaginado, mesmo em uma época como a nossa- onde a imaginação é eliminada, reduzida aos escombros de sentidos pré-fabricados produzidos em série. A resposta para nossa inércia está em histórias como a dos Les Rallizes Dénudés.


Por Márcio Viana

AINDA SOBRE SONHOS QUE NÃO ENVELHECEM

Dessa vez, não fui eu a dar o play, mas sim o projecionista (ainda existe essa profissão ou será que uma IA aciona o início do filme num horário programado na sala de cinema?).

Instigado por uma crítica estranha na Folha de São Paulo (sempre ela), fui ver qual é a do documentário Nada Será Como Antes, que leva o subtítulo (que explica tudo de antemão) A música do Clube da Esquina.

Talvez o o escriba da Folha tenha se decepcionado pelo fato de ser um documentário e pela falta de detalhamento de coisas mais, digamos, empolgantes fora do universo musical, mas não dá pra culpar o filme de uma hora e vinte minutos dirigido por Ana Rieper.

Se há algo a notar, é a pouca presença feminina à frente das câmeras, restrita à musa inspiradora de Um Girassol da Cor de Seu Cabelo, Duca Leal, ex-esposa de Márcio Borges. Em entrevista ao Correio Braziliense, a diretora desfaz um pouco a possível impressão negativa, no sentido de o filme ter um caráter de retrato de uma turma, o que reflete uma realidade inegável, que é a predominância masculina. Ainda assim, talvez pudessem ter inserido ao menos um depoimento de Alaíde Costa, presente em Me deixa em paz.

Esse ponto não diminui a importância do filme, nem faz dele monótono, como levantou hipótese o crítico da Folha. Pelo contrário, traz relatos geniais sobre a produção, como por exemplo a explicação de Toninho Horta sobre a relação da música mineira com o relevo da região, e a participação sensacional de Robertinho Silva sobre a construção da parte rítmica da obra.

O grande nome do disco, Milton Nascimento, aparece e corrobora com as histórias dos colegas, em imagens gravadas alguns anos antes, mas também essenciais. Nesta construção, o nome que mais se sobressai parece ser o de Márcio Borges, como um fio condutor entre os diversos personagens, quase um maestro informal das palavras ditas ali. E nesse caso, o filme é fundamental para trazer à tona as coisas que o tempo se esquece de dizer.

Veja o trailer aqui


Por Brunno Lopez

AS VERÔNICAS


Eu já tinha alertado que este duo havia lançado uma das melhores músicas desse ano – apesar de ser 1º de abril não é mentira – e o lançamento do álbum foi apenas uma comprovação dessa humilde afirmação.

Gothic Summer tem apenas 8 músicas e isso já foi o bastante pra colocar as australianas numa posição bem alta nesse 2024 ainda tímido. É uma viagem ao punk pop dos anos 2000 com aquela pitada saborosa de contemporaneidade.

Além de ‘Perfect’ (que é de fato perfeita) o descobrimento de ‘Invisible’ trouxe uma brisa refrescante de esperança.

E, honestamente, é o que precisamos.

Ouça aqui


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana

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