2 de outubro de 2023
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana, nosso time destaca as principais notícias, curiosidades, acontecimentos relevantes e/ou inusitados do mundo da música ou, simplesmente, alguma curiosidade ou indicação. Claro que, cada um à sua maneira, e abordando sempre o universo musical de sua predileção.
NOTÍCIAS & VARIEDADES
Por Vinícius Cabral
O ABRAÇO DO URSO
A série The Bear é um dos maiores fenômenos culturais dos últimos anos.
Em meio à maior greve da história de Hollywood, com os estúdios organizados para destruir a subsistência de autores, showrunners e roteiristas, e dinamitar o que sobrou de “midstream” também no audiovisual – o que tem resultado em uma triste massificação estética hegemônica – , surge uma voz de resistência e dissonância.
The Bear é uma série inacreditável apesar deste contexto todo, ou por causa dele. Alex O’Keefe, um dos roteiristas, conta nesta entrevista que o estúdio (no caso FX/Disney) ferrou a série em todas as formas imagináveis, incluindo salários depreciativos e prazos surreais. Cada episódio teve no máximo 3 diárias para ser filmado, e sabe-se lá quais foram as condições de pós-produção. A precariedade explica, em partes, o brilhantismo da série, que é urgente, criativa, e totalmente descolada das atuais amarras impostas pelo modelo de negócios (ou modelo de destruição em massa) estabelecidas pelos serviços de streaming.
Isso tudo se reflete em cada mínimo detalhe. Na entrega e na liberdade dos roteiristas; na fotografia urgente, granulada e saturada; nas câmeras frenéticas; no “nervoso” desenho de som; na performance inspirada e comovente do elenco. E se reflete, claro, também na trilha sonora. O primeiro episódio me preocupou, ao apresentar Animal do Pearl Jam nos créditos finais. Fiquei na dúvida se era uma ironia.
Mas era.
A trilha inclui alguns clássicos famigerados dos 90 que não envelheceram tão bem (como Pearl Jam, Counting Crows e Weezer), mas também aposta em momentos de elevação espiritual, como quando usa brilhantemente The Replacements, Brian Wilson, The Breeders* e tantos outros. É difícil até lembrar das canções sem esbarrar nos temidos spoilers, então destacarei apenas um dos momentos sublimes da série envolvendo trilhas de terceiros, enquanto deixo, como quem não quer nada, um link aqui com todas as canções utilizadas na série.
O momento que quero destacar é o que inicia o épico 7º episódio da 1ª temporada da série, chamado Review. Em uma homenagem à Chicago em cortes rápidos (que revelam desde Al Capone até o mítico “prédio do Wilco“, o Mariana City), somos introduzidos à cidade, em toda sua opulência decadente, ao som da canção homônima de Surfjan Stevens. Chicago, a música, foi gravada originalmente para o clássico absoluto Illinois, de 2005, com orquestrações. Mas é apresentada aqui em sua versão demo, disponível neste link.
Sozinha, esta versão da música já é capaz de arrepiar. No contexto do episódio, é difícil segurar o nó na garganta. E é este o nível da beleza crua de The Bear. Uma obra de arte, que capta a essência do desespero do capitalismo tardio no ocidente, pelos olhos alheios, ansiosos e inocentes do protagonista (muito provavelmente) autista, Carmen “Carmy” Berzatto. Como é difícil descrever mais sem desapontar quem ainda não assistiu, fico por aqui, deixando acima algumas das referências musicais que a série faz questão de destacar.
O épico Illinois, por exemplo, disco de Surfjan Stevens, foi recentemente citado por nós no último episódio do podcast, e é um dos melhores discos da década de 2000. Um álbum que, certamente, pede para ser revisitado diante da homenagem espetacular prestada pela série ao artista e à canção – uma das mais belas do brilhante Illinois.
*Parece perseguição, mas para onde quer que eu olhe em 2023, vejo The Breeders.
Ouça Illinois, de Surfjan Stevens aqui
Por Márcio Viana
POR UM MUNDO MELHOR
Estive no último final de semana na mostra B.B. King: um mundo melhor em algum lugar, no MIS-SP, e voltei pensando numa fruta estranha.
Strange Fruit é originalmente um poema escrito por Abel Meeropol (um professor judeu de colégio do Bronx), sobre o linchamento de dois homens negros. Ele a publicou sob o pseudônimo de Lewis Allan. Posteriormente, ela foi musicada, tendo sido a versão mais famosa gravada por Billie Holiday. Depois, haveria diversas gravações, por nomes como Nina Simone e Jeff Buckley.
A exposição sobre B.B. King, que fica no MIS somente até o próximo final de semana, aborda toda a complexa questão racial nos Estados Unidos, ambiente em que o bluesman nasceu e cresceu, sempre lutando contra o racismo.
O que me fez pensar sobre a canção imortalizada por Billie Holiday foi a coincidência de, um mês antes, ter visto uma outra exposição, em Montevidéu, que usava a letra da canção com o mesmo intuito: nos fazer pensar sobre o preconceito.
A exposição sobre B.B. King é descrita pela produção do MIS da seguinte forma:
“B.B. King: um mundo melhor em algum lugar” é uma experiência sensorial que percorre épocas, fatos e conteúdos da vida de B.B. King. Para a criação conceitual do projeto, foi feita uma linha do tempo e do espaço que percorre a história do artista e dos desdobramentos social e cultural da segregação, fluxo inspirado no curso meândrico do rio Mississipi – onde está localizada, às margens, a cidade de Memphis, conhecida como a capital do blues. O rio se converte numa metáfora que traz a mistura de cores, texturas e formas no movimento contínuo da vida.
No começo da exposição, o público se depara com uma geometria preta e branca que divide e separa, representando a segregação. Pouco a pouco, essa configuração se transforma em uma paleta multicolorida da diversidade de cores e conteúdos, criando uma praça que celebra a diversidade e convida ao diálogo, sem esquecer do que ainda precisa ser superado.
Se você estiver em São Paulo até 08/10, tente não perder.
Ouça Strange Fruit com Billie Holiday aqui
Por Bruno Leo Ribeiro
R$ 2.250
Saiu os preços para o Lollapalooza Brasil 2024 e já meti um Spoiler no título com o valor da inteira para o passe de 3 dias. O que mais me chama a atenção é que as vendas já estão avançadas (dependendo do pacote de clientes de um banco aí) e já acabou quase tudo e não tem Lineup.
O que mostra que o evento é apenas um evento. Se trabalha com elitismo e FOMO (Fear of Missing Out : Medo de ficar de fora). Quem perde fica depois com vontade de ir. Passa os 3 dias de festival vendo os Stories dos amigos e de sub-celebridades. Aí gastam o dinheiro que não tem pra estar lá no ano seguinte.
Claro que tem fãs e muitos artistas que só aparecem no Brasil pra festival, mas cacetada, esse preço. Pagando isso tudo, eu queria minha cara junto com as logos dos patrocinadores em todo o material de divulgação.
Não vou ficar aqui fazendo crítica social foda por causa do valor absurdo. Isso todo mundo é capaz de perceber. O mais triste pra mim é que falta o elemento mais importante da porra toda. A música.
Sem nem mesmo saber quem vai tocar, apenas torcendo pras especulações do Tuiteiro que anuncia shows, as pessoas compram ingressos às cegas. E isso não me entra na cabeça.
Mas a melhor coisa que aconteceu nesses dias por causa do Lollapalooza Brasil é uma arte Fanfic que está rodando por aí como se fosse o Lineup. E a cada linha vai ficando melhor.
Esse festival aqui em baixo eu pagaria 2.250 reais. E ai? Quem você mais quer ver no festival abaixo? Eu perdi tudo com a Neta da Atriz Brasileira Maria Gladys.
Por Brunno Lopez
BRING ME TO (REAL LIFE)
Nunca é demais lembrarmos da importância de um produtor musical no resultado final das obras sonoras dos artistas que amamos – ou não. Normalmente essa observação acontece quando somos expostos a versões originais de canções que explodiram gerações, como se cada compasso e elemento tivessem sido colocados minuciosamente ali. E certamente foram, pois ouvidos externos talentosos fazem a diferença para transformar uma música num marco temporal de cultura e expressão.
Este foi o caso de “Bring Me To Life”, do Evanescence. A faixa que está presente no disco Fallen, que completa 20 anos do seu lançamento, não continha a parte tão icônica do rap em sua estrutura oficial. Ouvindo-a sem essa passagem, a impressão que temos automaticamente é que falta alguma coisa.
Equilibrar as infinitas possibilidades que existem para esculpir a melhor versão de uma composição é uma tarefa árdua que requer conhecimento e sensibilidade impossíveis de se medir, apenas de se apreciar.
Ouça aqui.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana