Newsletter Vol. 217

18 de setembro de 2023

18 de setembro de 2023

A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Por Vinícius Cabral

KIM, SUA SAFADINHA

Uma das imagens mais marcantes de toda a década de 1990 (para mim “A” mais marcante) é a de uma bola de canhão atravessando as ruas de uma cidade. As sequências, saídas do videoclipe de Cannonball, dirigido pelo mítico Spike Jonze, eram exibidas repetidamente em vinhetas da MTV Brasil até o final da década, acompanhadas pela introdução inesquecível da música. Era um hit. Virou um símbolo da estética do rock alternativo noventista. Inabalável e que perdura. Mesmo exatos 30 anos depois.

O mais interessante disso tudo tem a ver com a interpretação que é feita até hoje sobre a música. Muitos acham que Cannonball é um ataque à masculinidade. Outros dizem que é uma canção antibelicista (ou belicista). Alguns podem ir até mais longe e achar que a bola de canhão é uma metáfora que, sugestionada pela capa do álbum, se refere a um tiro no coração. Kim Deal tem sua explicação particular. Em uma entrevista em agosto de 1993, a compositora disse que sua irmã gêmea, Kelly Deal, tinha lido uma biografia do Marquês de Sade, e que ela ficava sacaneando o autor para a irmã, dizendo coisas como: “Olha, você vai para o inferno seu safadinho. Seu cuckoo…vai lá fazer uma ‘bola de canhão’, eu serei o último respingo (the last splash)”. Bola de canhão é na música, portanto, aquele jeito de pular na piscina agarrando as próprias pernas, para criar um grande splash. Não deixa de ser uma alfinetada na masculinidade estúpida.

Ainda assim, as letras de Kim são sempre muito cifradas. Todas as interpretações acima são corretas e, ao mesmo tempo, nenhuma é precisa (nem sua própria explicação, que pode muito bem ter sido uma trollagem). Das múltiplas imagens que poderiam ilustrar a canção, a escolhida (pela banda ou por Jonze, quem sabe?) foi, literalmente, a de uma bola de canhão passeando pelas ruas. Cannonball. Bola de canhão. Fim. A literalidade da representação, ao invés de “fechar” os múltiplos sentidos que Kim Deal proporciona aos ouvintes, reforça ainda mais o mistério. Quem é que tem a interpretação certa afinal? Em poesia, não existe interpretação certa. E a do videoclipe não fecha nada. Só mantém o fenômeno todo ainda mais icônico.

Parece brincadeira que, de um álbum espetacular como este, eu tenha passado três parágrafos falando de apenas uma canção. Mas isso tudo é porque o que torna Cannonball, o Last Splash e, por fim, a banda The Breeders um fenômeno tão marcante e inesquecível, é justamente uma experimentação desafiadora. O disco todo tem várias delas. Em S.O.S, a banda liga a máquina de costura de Kelly Deal em um amplificador Marshall. Acontece que a guitarrista estava costurando um casaquinho para sua mãe, e a máquina acabou se transformando em um instrumento. Em Do You Love Me Now, Kim enfia a cabeça em um piano para gravar os vocais abafados e reverberados que se ouvem no início da canção. Há os ecos esquisitos e tremidos de Mad Lucas, e várias faixas com microfones harmonica.

E, sim, os “Ahhhhhoooo-oooh” de Cannonball são gravados assim, com os vocais distorcidos pelo microfone harmonica. Ao vivo, Kim usava um copo de polietileno em cima de um segundo microfone. Recurso que chamo, carinhosamente, de Kimtronix*. Isso sem contar, é claro, que boa parte das guitarras-base distorcidas que ouvimos no disco são, na verdade, um violão vagabundo com distorção. Quando um disco é tão marcante assim, do ponto de vista sonoro, podem ter certeza de que muitos recursos diferentes foram experimentados em sua concepção e gravação.

Não há muitas informações biográficas sobre os Breeders que eu precise dar, além das que minha amiga Raíssa destaca na 2ª Edição de sua maravilhosa newsletter quase, quando (leiam, por favor, aqui). Last Splash nem é meu trabalho preferido da banda (o posto fica com o Pod, de 1990, que acho mais consistente). Mas os centavos que gostaria de dar sobre o álbum, e sobre a banda como um todo, têm a ver com a fascinação que observo ainda ser exercida pelo rock alternativo dos anos 90. Se pegarmos apenas 1993, ano em que esse disco veio ao mundo, veremos ali uma enxurrada de clássicos de bandas imortais, como Nirvana, Smashing Pumpkins, Dinossaur Jr., Mazzy Star e muitas outras. Os The Breeders garantiram um lugar ao sol graças ao hit Cannonball, conseguindo álbum de platina e atingindo mais sucesso do que a banda anterior de Kim Deal (precisa lembrar qual?).

Tudo isso me deixa, a um só tempo, feliz e melancólico. O experimentalismo pop (sim, isso é possível) de Last Splash** já garantiu holofotes fortíssimos e esteve em paradas de sucesso, com vendas incríveis e videoclipes e shows sendo reprisados insistentemente. Será que um dia voltaremos a ver algo assim, tão ousado e autêntico, esbarrando no mainstream?

*Uma referência ao Gibbytronix, de Gibby Haines, dos Butthole Surfers. Já escrevi sobre eles aqui. Os detalhes da experimentação técnico-analógica da gravação de Last Splash estão bem documentados neste artigo.

**Está para sair uma reedição do álbum em comemoração de seus 30 anos. Fiquemos de olhos e ouvidos atentos.

Ouça Last Splash aqui 


Por Márcio Viana

A CURA

Por ocasião do aniversário de 30 anos deste clássico, lançado em 14 de setembro de 1993, vale revisitar um texto que escrevi em nossa segunda newsletter, lá em 2019:

Um dos meus discos da vida, responsável inclusive por ter me feito estudar para ser um baixista razoável, é este Cure for Pain, do trio de Cambridge, Massachusetts, o Morphine. Formado pelo saudoso Mark Sandman, Dana Colley e Billy Conway (depois substituído por Jerome Deupree), o grupo possuía uma característica heterogênea: Sandman comandava a banda com seus vocais graves e o baixo tocado com apenas duas cordas. Colley garantia às músicas alto teor de emoção com seu sax barítono, e os bateristas (Conway e depois Deupree) também inovavam na parte rítmica, dando um certo peso ao indie-jazz-rock praticado pela banda. Sim, você leu certo: a banda não tinha um guitarrista (eventualmente Sandman explorava o uso do instrumento, naturalmente de forma não convencional).

Cure for Pain é o segundo disco do Morphine, e é daqueles de se ouvir sem pular faixas. Buena fez razoável sucesso no meio indie, neste disco lançado em 1993, que a gravadora Trama trouxe ao Brasil junto com outros do grupo.

Destaco também A Head With Wings, um jazz-blues bastante agradável, e a ligeira Mary want you call my name?

O Morphine durou até 2000, quando ocorreu o falecimento de Mark Sandman por infarto fulminante. Os membros remanescentes acabaram por juntar-se à guitarrista e cantora Laurie Sargent em um grupo chamado Twinemen, e posteriormente formaram com Jeremy Lions o Vapors of Morphine, dedicando-se a reproduzir o repertório da banda original, além de repertório próprio.

Nota de 2023: aproveite a efeméride para ouvir, no link abaixo, a versão deluxe do álbum, com as faixas originais remasterizadas em 2022, versões alternativas e outras raridades.

Ouça Cure for Pain aqui 


Por Bruno Leo Ribeiro

ÆNIMA

Tool reflect on 'Ænima' in their first AP cover story—two decades later

Em 1996, o Tool lançou o disco que mudou completamente a minha percepção sobre metal alternativo/progressivo. O segundo disco da banda chamado Ænima fez aniversário nesse domingo dia 17 de setembro, mais conhecido como ontem.

Fui dar play em homenagem e sim, o disco ainda é incrível. Toda a atmosfera meio hipnótica e tribal que me faz adorar a banda já está lá. O primeiro disco Undertow tem seu valor, mas eu gosto bem mais do sophomore da banda.

Foi no Ænima que tivemos a entrada do baixista da banda inglesa Peach no Tool pra nunca mais sair. Há quem diga que o Justin Chancellor consegue ver cores nos sons e isso foi fundamental pra banda ser como é hoje. A soma dos ritmos da bateria do Danny Carey, dos riffs geniais (e clipes maravilhosos dirigidos e animados) do Adam Jones, a voz e letras do Maynard James Keenan e os baixos super criativos do Justin Chancellor é perfeita.

Foi nessa época em 1996 que conheci o Tool na MTV. Os clipes escatológicos do álbum ficavam em rotação na MTV e na MTV Latino. Foi assim que descobri a existência de “Stinkfist”, “Ænema” e “Forty-Six & 2”.

Mas só fui conseguir ouvir o resto de clássico de hoje quando a internet ficou acessível. E foi assim que essa obra prima de 1996 virou um clássico de 2001 pra mim. Minha relação com o Tool sempre foi leve. Virei admirador da banda ali pelo começo dos anos 2000 e a banda só lançou um disco em 2006 e ficou 13 anos sem lançar nada! (Fãs da Rihanna que reclamam que ela não lança disco novo… hold my beer).

Nesse período de espera só me restou ouvir em loop o Ænima (1996), o Lateralus (2001) e o 10,000 Days (2006). Cada um desses virou um clássico pra mim. Mas como o aniversário é do Ænima, hoje minha dica é sobre ele. 🙂

Ouça aqui


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana

Thanks for reading Newsletter Silêncio no Estúdio! Subscribe for free to receive new posts and support my work.