10 de abril de 2023
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana, nosso time destaca as principais notícias, curiosidades, acontecimentos relevantes e/ou inusitados do mundo da música ou, simplesmente, alguma curiosidade ou indicação. Claro que, cada um à sua maneira, e abordando sempre o universo musical de sua predileção.
NOTÍCIAS & VARIEDADES
Por Vinícius Cabral
FESTIVAIS, PRA QUE TE QUERO?
Drake não quis observar capivaras no Brasil
Diante das recentes polêmicas envolvendo os grandes festivais de música, um tweet do Diego Reis, da banda Vivendo do Ócio, chamou bastante atenção. Curto e grosso, o artista revelou que a banda recebeu modestos 2 mil reais para tocar no Lollapalooza, e que a ideia “desses gringos” é “amassar a gente até não fazer mais sentido”. Pois não faz sentido, a muito tempo. Nas replies, o Luisão (ex-Penélope) revela que a banda tocou de graça no Rock In Rio 2001, quando sua banda estava no auge, com contrato com gravadora e hits no rádio e na televisão.
A trajetória dos grandes festivais no Brasil é, desde os anos 80, bastante conturbada, para não dizer desrespeitosa. Como revelamos um pouco em nosso episódio sobre Os Paralamas do Sucesso, a primeira edição do Rock In Rio, em 1985, já foi uma zona completa. Os artistas nacionais foram claramente escanteados (e “presenteados” pelo público com latinhas de cerveja na cabeça), tiveram as estruturas de palco reduzidas ao mínimo e sofreram desrespeito profundo por parte da organização e, infelizmente, do público. Mesmo sendo uma imensa aposta da pungente indústria fonográfica nacional à época, o festival tratou os artistas locais como lixo. Para quem achou que essa cultura poderia ter mudado, 40 anos depois, basta coletar depoimentos como o de Diego Reis e Luisão. Além de não ter mudado (quase) nada, a situação piorou um pouco, uma vez que agora são os próprios festivais de marcas gringas que nos visitam para diminuir os artistas locais sem cerimônia.
Os sempre certeiros amigos da 300 Noise resumiram a treta em um bom post no Instagram, no qual eu deixei uma pergunta fundamental: será que está ok não termos um festival brasileiro 100% independente? Alguns usuários me responderam que não é bem assim (temos o Balaclava, o Popload e o Goiânia Noise Fest, por exemplo), mas eu simplesmente estava reagindo a uma afirmação do post. O fato de sequer lembrarmos das iniciativas nacionais independentes neste tipo de debate revela o quanto os Lollapalooza’s e Primavera Sound’s da vida manipulam as atenções do público e da mídia especializada. E, convenhamos, mesmo que tenhamos uma meia dúzia de festivais independentes no Brasil, alguns deles dependem de uma estrutura de leis de incentivo e outras bases de fomento totalmente insustentáveis, haja visto, também, a concorrência desleal que os enormes festivais gringos, com seus preços exorbitantes, impõem à cena.
Como este outro tweet revela de maneira bem humorada, seria necessário aproximadamente 9 mil reais para uma pessoa como eu ir a todos os shows/festivais de interesse, apenas no ano de 2023. Vivemos em um país periférico que recebe poucos shows internacionais de peso por ano (e olha que eu nem quero ver Billie Eilish ou Beyoncè, Dry Cleaning já tava ótimo), e o público irá inevitavelmente pesar isto na hora de tomar suas decisões. Entre gastar 3 mil reais em um festival para ver uma dezena de artistas gringos que não virão fazer shows isolados, e gastar uns 30 reais indo a uma casa pequena e xexelenta para assitir uma banda local, é natural que as pessoas optem pela primeira opção. Os fãs fazem suas economias e se esforçam, afinal, não é todo dia que verão um Tame Impala ou um Arctic Monkeys ao vivo.
E aí está, novamente, uma questão de hábitos culturais, e de formação de público. Eu prefiro, sem nenhuma dúvida, ver shows das bandas Gueersh e terraplana, por exemplo (para ficar em duas bandas nacionais que estiveram por BH recentemente), do que ver um espetáculo superestimado de uma banda gringa em final de carreira. Sei que eu posso sofrer agressões físicas por essa declaração, mas tudo bem.
É sobre isso, afinal.
Enquanto não estimularmos as iniciativas locais, ainda que nossas bandas sofram com a falta de recursos e de uma cultura produtiva que, por vezes, chega a diminuir seu som, este cenário não mudará nunca. Da minha parte, já está muito claro que, enquanto as bandas nacionais tiverem praticamente que pagar para tocar nos grandes festivais, por causa da “vitrine”, enquanto um merda como o Drake embolsa dezenas de milhões para pensar se vai entregar o show, estes eventos não terão um centavo do meu suado dinheirinho.
Por Márcio Viana
JOÃO GILBERTO, AO VIVO NO SESC
Um dos maiores destaques da semana que se encerrou foi certamente o lançamento digital do primeiro registro do projeto Relicário, do Sesc São Paulo: uma gravação de 1998 que traz, remasterizada e na íntegra o show de João Gilberto naquele ano.
O resultado, sublime, traz o mestre executando em quase duas horas de show o total de 36 (!) músicas, entre elas Rei sem Coroa, de Herivelto Martins e Waldemar Ressurreição, nunca antes registrada em disco.
A qualidade da gravação, segundo Danilo Miranda, diretor do Sesc, tem a ver com a conjunção dos fatores que incluem o perfeccionismo do artista com a habilidade técnica da equipe envolvida na gravação. O resto se resolveu com arte, e em alguns momentos da apresentação, João Gilberto até fez concessões, convidando o público a se juntar a ele como num coral. Há quem já fale em disco do ano.
Para além de sua estreia, o projeto Relicário promete trazer ao longo dos anos algumas outras raridades vindas das gravações de shows realizados em suas diversas unidades. Trata-se não só de um trabalho de viés artístico e comercial, mas também de recuperação e disseminação do acervo histórico e documental da entidade, já que – imagina-se – toda apresentação virá, como nesta primeira amostra, acompanhada de textos e possivelmente imagens.
Há alguns anos, cheguei a conversar com técnicos de outra unidade do Sesc, o Consolação, onde também foram realizadas muitas apresentações icônicas, e imagino que algumas delas deverão aparecer no catálogo em breve.
Além da disponibilização na plataforma digital do Sesc, haverá a venda em mídias físicas.
Ouça Relicário – João Gilberto aqui
Por Bruno Leo Ribeiro
BOYGENIUS
O conceito de super grupo já foi bastante debatido. Alguns deram certo e muitos outros não. Audioslave, Velvet Revolver e Temple of The Dog são alguns que lembramos quando pensamos nos que deram certo, mas com certeza temos que colocar um novo nessa lista.
“boygenius” é formado por Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus e se destaca não só pela qualidade das composições, mas pelo jeito que cada uma das 3 mostra suas qualidades somadas. As harmonias de voz e leveza nas melodias são apaixonantes.
A carreira de cada uma já merece atenção, quando se juntam, parece uma explosão de sabores, texturas e sentimentos. É uma deliciosa experiência ouvir o disco “The Record”.
Muitas vezes o mundo da música se empolga bastante com um projeto e existe um hype enorme em cima, principalmente quando um novo supergrupo lança algo, mas aqui, as expectativas são ultrapassadas em velocidade da luz. Nos primeiros acordes já dá pra pensar, “É… tem uma coisa especial por aqui”.
Não vejo o que criticar na obra do disco. É pra dar play e nem sentir o tempo passar. São 3 artistas que amam o trabalho da outra e se juntaram pra somar. Não tem ego, não tem vaidade e não existe uma procura por validação. É uma obra honesta, cheia de sentimentos e músicas boas. Simples, bonito e cheio de harmonias inspiradoras. Certamente um dos destaques do ano até agora.
Ouça aqui o disco “The Record”
Por Brunno Lopez
O ÓDIO AO NOVO FAZ O VELHO UM ETERNO PERIGOSO
Pegando carona na reflexão do Vinny sobre o completo descaso dos festivais com artistas independentes nacionais, aponto o holofote para a perpetuação dos chamados dinossauros que habitam – nem um pouco paleontologicamente – a cena dos eventos de rock desde sempre.
Por mais que seja válido para quem por um milagre da natureza ainda não tenha assistido Iron Maiden, Ozzy, Kiss e Scorpions, essa continuidade imutável de headliners torna impossível que qualquer banda relativamente nova consiga galgar o status de grandeza. De Rock in Rio ao Monsters of Rock, as figurinhas esfareladas seguem carimbadíssimas nesse álbum que mais parece uma reedição infinita.
Os clássicos sempre existirão mas não podem impedir que novos clássicos apareçam. E o lugar ideal pra que isso aconteça – enquanto acontecimentos de música ao vivo presenciais forem relevantes – é o palco dos festivais. Talvez na rara utopia de driblar algoritmos offline, com a essência de tempos em que descobertas eram feitas de forma orgânica.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana