Newsletter – Silêncio no Estúdio Vol. 24

06 de Janeiro  de 2020


Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na primeira newsletter do ano é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Bruno Leo Ribeiro

INUNDAÇÃO NO TEXAS
Há um bom tempo venho falando desse gênio do Blues chamado Stevie Ray Vaughan. Além de ter contado um pouco a história de uma das suas guitarras mais famosas no episódio das Jornadas das Guitarras Famosas e ter contato a trágica morte dele, um dia vamos fazer um episódio especial pra falar sobre esse alienígena que passou pela terra e nos mostrou como que se toca guitarra com alma e emoção.

O “Texas Flood” é o disco de estreia do Vaughan foi lançado em 1983 e tem uma história peculiar. Depois da banda do Stevie (que era um trio chamado “Stevie Ray Vaughan and Double Trouble”) tocou no festival de Montreux, o músico e compositor Jackson Browne ofereceu pra banda 3 dias de graça em um estúdio de gravação em Los Angeles pra eles gravarem um disco.

Depois de aceitarem a oferta a banda foi pro estúdio e em dias dicas, gravando tudo ao vivo, mudaram o mundo do blues. 

A música “Pride and Joy” chegou no 20º lugar na parada Mainstream Rock Tracks. “Texas Flood” foi indicado como Melhor Performance de Blues Tradicional e “Rude Mood” foi indicada para Melhor Performance Instrumental de Rock no Grammys. No AllMusic, o disco recebeu 5 estrelas com comentários como “impacto monumental” e “provocou uma revitalização do blues”. 

Apesar da incrível receptividade a Rolling Stone teve a audácia de dizer que o Vaughan “não tinha criatividade e originalidade” e que ele não tinha um “estilo distinto.”. É pra rir mesmo.

Bem, melhor você tirar suas próprias conclusões ouvindo o Texas Flood sem pressa. 🙂

Ouça o Texas Flood aqui

Vinícius Cabral

ATRAVESSANDO TUDO ISSO 
Where is my baby/ who took my baby”, canta Courtney Love visceralmente e sem se dar ao luxo de utilizar metáforas em I Think That I Would Die. Em uma matéria escandalosa e irresponsável da Vanity Fair em 1992, a rockstar era acusada, com base apenas em depoimentos de “pessoas próximas”, de ter usado heroína durante a gestação. O lamentável factoide levou à perda temporária da guarda de sua bebê, a hoje adulta Frances Bean Cobain, incitando ainda mais o linchamento de reputação que Love sofre a décadas. Na verdade eu não acho que exista nenhuma outra figura na história do rock que tenha sido tão escrachada e violentada. Vítima da misoginia mais virulenta, Love era chamada de oportunista, mentirosa, cínica e manipuladora. Até hoje circulam teorias da conspiração das mais estapafúrdias que tentam vincular o trágico suicídio de seu marido, Kurt Cobain, à uma obra premeditada por Courtney Love. Mas chega de dar palco pra maluco. A teoria conspiratória que eu vim aqui refutar é a de que a artista não teria talento. Diante da qualidade inquestionável deste Live Through This, os fãs babacas e machistas do Nirvana diziam que, provavelmente, o Kurt teria escrito as canções do álbum. A verdade mais dolorida para essas mentes pequenas e perversas porém, está escrachada nas faixas raivosas, viscerais, poéticas e reais deste disco enorme. Nas próprias palavras auto afirmativas de Courtney: “eu sou uma poeta”. E é, das melhores. Sua perspectiva feminina, lançada brutal e cruamente em versos ora secos e duros, ora metafóricos e irreais, era algo como que inédito para a audiência de rock alternativo da época, e em certa medida segue sendo até hoje. Se como homem, o marido Kurt lançava mão do sarcasmo para abordar a agressão e o estupro, escrevendo por exemplo em Polly do ponto de vista do agressor (ainda que fosse para denunciar o horror do ato), aquilo era, sob o ponto de vista de Love, algo perigoso e ambíguo. De fato, circulou à época da repercussão de Nevermind a história de dois estupradores que cantavam a música de Kurt durante o ato. Em entrevista, Courtney provoca: “esse é o tipo de gente que ouve ele (o Kurt)”. Pois é. Sua resposta viria límpida e agressiva, em Asking For It: “Was she asking for it? Was she asking nice? If she was asking for it, Did she ask you twice?“. 

Será que ela pediu para ser agredida? A pergunta, gritada na veia punk clara da artista, vinha como uma pancada. Décadas depois, o movimento feminista (e qualquer movimento de pessoas com o mínimo de bom senso) segue dizendo: a culpa nunca é da vítima. Da perspectiva da vítima, da mulher relegada a um papel humilhante até, Love nunca abaixou a cabeça, e isso provavelmente acendeu ainda mais o espírito machista das “tropas culturais”. Tentaram minimizar o feito deste álbum de 1994, em vão. Eleito melhor álbum do ano pela Rolling Stone e pela Spin, o tempo só fez o disco crescer. Não somente pela atualidade dos temas, mas também pela qualidade da música. Em relação ao estouro comercial de Nevermind, o Live Through This é quase um retorno às origens daquele punk-indie loud-quiet-loud (ao qual nos referimos bastante no episódio “O que é Rock Alternativo?”), com as explosões de distorção e gritaria em refrões arrebatadores, como já se ouve claramente na clássica faixa de abertura Violet. Se em Violet, Doll Parts e Jennifer’s Body a cantora destila a angústia silenciada da agressão, em canções como Miss World ela confronta os padrões estéticos e comportamentais os quais julgava ter que seguir, conscientemente abusando do batom vermelho e pintando os cabelos de loiro como se, para poder rasgar seus vestidos e berrar no palco ela precisasse ter, pelo menos em alguma medida, os tradicionais “traços femininos”. Quando Love grita, junto com as guitarras distorcidas, sua veia punk a coloca entre uma Lydia Lunch e uma Kim Gordon, destacando por sua vez, sua personalidade única e particular. Lançado num timing terrível, apenas 4 dias após o suicídio de Cobain, Live Through This não poderia ter um título melhor. É um disco que conta a história de uma mulher atravessando todas as intempéries, lutando quatro vezes mais do que qualquer homem no mesmo cenário para se destacar, lutando para manter a dignidade diante de um escrutínio público desonesto e maldoso, lutando para ser rockstar, mãe e, para piorar, viúva de outro rockstar, este canonizado como um ídolo histórico mesmo antes de sua morte. Lutando contra tudo e todos, Courtney Love “Lived Trough all this” (atravessou tudo isso) e nos presenteou em 1994 com um marco da década e um cânone da história do rock alternativo. Certamente, um clássico imperdível.

Ouça Live Through This

Márcio Viana

REAL COMO AS MIRAGENS DA PAIXÃO
Primeiramente cabe aqui uma reflexão sobre o que vem a ser um clássico. A lógica faria com que eu – me propondo a falar sobre um álbum d’Os Paralamas do Sucesso – começasse por um dos três primeiros, como O Passo do Lui, Cinema Mudo ou Selvagem?. Porém, nada impede que um de nós fale sobre eles em algum momento. Aliás, para 2020 devemos preparar algo maior sobre a banda, então considere este texto como um aperitivo.

Escolhi escrever sobre Longo Caminho, o primeiro álbum do grupo após o acidente aéreo que deixou Herbert Vianna paraplégico e vitimou sua esposa Lucy. O disco consolidou algo que a banda vinha programando para antes da fatalidade:  um trabalho mais cru, focado no trio e sem muita participação de músicos adicionais, exceto pelos teclados de João Fera, fiel à banda desde o início e alguns metais (em La Estación, num estilo mais sutil, remetendo a uma sonoridade mais próxima dos Los Hermanos de Ventura, por exemplo). Há ainda a participação discreta de Fito Paez, tocando órgão em Flores e Espinhos.

Parte da visceralidade do disco, além do fato de ser uma banda se reprogramando (a bateria de João Barone está muito mais na cara, principalmente em Soldado da Paz, onde o baterista parece incorporar um Keith Moon), tem a ver com a produção de Carlo Bartolini. O produtor brasileiro radicado nos EUA soube explorar muito bem o momento vivido pela banda, e curiosamente fazendo o peso soar até em canções suaves, como Cuide Bem do Seu Amor e Seguindo Estrelas.

As canções foram em sua maioria compostas antes do acidente de Herbert, mas há espaço para uma homenagem à esposa Lucy, na canção de inspiração beatle Hinchley Pond (nome da fazenda dos pais dela), além da dedicatória a Marcelo Yuka em Flores no Deserto, para mim o ponto alto da riqueza lírica de Herbert em toda a sua carreira.

A banda resolveu também incluir uma cover de Running on the Spot, do The Jam.

O primeiro single do álbum foi O Calibre, com seu ainda atual discurso anti-armamentista.

Infelizmente os discos posteriores a meu ver não reproduziram o nível deste álbum, mas a banda continua em ótima forma, fazendo shows memoráveis.

Para quem, como eu, gosta de bastidores de gravação, vale conhecer o DVD que registra os momentos da produção de Longo Caminho, além de algumas apresentações que incluem o clássico Alagados e uma raridade do início da banda, Pinguins.

Ouça Longo Caminho aqui

Brunno Lopez

FORAM-SE AS ROSAS, FICARAM AS ARMAS
Sobreviventes de um distante Guns n’ Roses fizeram uma reunião improvável com munição suficiente para um grande álbum. E foi assim que o Velvet Revolver apareceu atirando para todos os lados em Contraband.

Do antigo quinteto de Los Angeles, revivemos a trinca poderosa composta pelo baterista Matt Sorum, o baixista Duff McKagan e o guitarrista Slash. Na outro instrumento de cinco cordas, o grupo trouxe Dave Kushner, conhecido por seus trabalhos no Wasted Youth. Por fim, a voz do tiroteio ficou por conta do saudoso vocalista do Stone Temple Pilots, Scott Weiland.

Essa formação foi capaz de trazer a atmosfera oitentista e noventista do Hard Rock em pleno 2004. Entre as 13 faixas, a track “Set Me Free” já ganhava destaque por ter feito parte da trilha sonora do filme Hulk – mas naquela época pré-Universo Marvel, sem muitos holofotes e Mark Ruffalo.

Com “Slither”, a banda ganhou um Grammy de Melhor Performance de Hard Rock, em 2005.

Meu destaque pessoal vai totalmente para “Loving The Alien”, um belo registro de Scott que viria a nos deixar anos depois, em 2015, numa overdose em um ônibus de turnê.

Enquanto Matt Sorum considerava a banda como o auge da sua vida, Slash dizia que não havia nada de positivo. Talvez o segundo estivesse falando das drogas e o primeiro, da música.

E nisso eles foram certeiros.

Ouça o Contraband


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana