15 de Junho de 2020
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana nosso time destaca lançamentos que têm feito suas cabeças.
LANÇAMENTOS
Bruno Leo Ribeiro
INVASÃO PROG
No nosso episódio “O Que É Prog Metal?” não falamos em tantos detalhes nas bandas que listamos como o futuro do gênero. Falamos do Leprous e do Haken.
Nos lançamentos desse newsletter vou falar do single Invasion da banda inglesa Haken, que está com disco em pré-venda e deve vir com tudo nesse 2020 pra entrar na minha lista de melhores do ano.
Apesar do single ter sido lançado no dia 22 de maio, só fui me ligar e ouvir depois que o mestre sem defeitos Mike Portnoy se envolveu numa “polêmica” idiota com um fã (esses tem que acabar) sobre um post dele no Twitter.
Ele tuitou que tava ouvindo o disco novo do Haken e que eles estava maravilhoso. Um fã completamente sem noção foi reclamar com o Mike que ele estava sendo nepotista. Oi? O cara achou que o Mike tava divulgando a banda do seu filho Max Portnoy, e mesmo que tivesse fazendo isso, ele é pai!
Rolou mó treta e o cara foi xingado por uma galera e foi daquelas threads de twitter pra gente dar umas risadas vendo gente desconhecida passando vergonha. O cara apagou os tweets então infelizmente vai ficar no seu imaginário.
Mas vamos ao que interessa. O Mike falou pra gente evitar o hype em cravar o Haken como um dos melhores discos do ano (o disco vai se chamar Virus – o que provavelmente a banda não tinha nem ideia do que rolaria com o Covid-19 quando fizeram o conceito do disco).
A música é perfeita e já ouvi em loop durante semanas desde que lançou, então fica aqui a dica pra você ver o clipe e esperar pelo disco completo.
O disco foi mixado pelo Adam Nolly, ex-baixista do Periphery, e a sonoridade do single é perfeita. Vamos parar de papo e vamos invadir o link da banda e ver esse clipe com essa música maravilhosas :).
Veja o clipe do primeiro single Invasion
Vinícius Cabral
METADES
Parece brincadeira, mas terei que começar esse texto com o “novo estilo” interjetivo dos reviews por aqui:
Puta que pariu. Que disco é esse?!?!!?
Era só isso que eu conseguia pensar nas primeiras audições – da primeira metade – do sophomore do sensacional Moses Sumney, Græ. Digo da primeira metade porque, como uma obra ousada, densa e profunda, Græ além de ser um escândalo estético e lírico, é um álbum duplo, e sua primeira metade é claramente uma explosão sonora.
Seguindo o promissor Aromanticism de 2017, eu esperava de Moses algo na linha do que ele havia soltado meses antes do lançamento – com o single/video lyric íntimo e inovador – de Polly. Uma das maiores canções do ano, acústica, sutil e cantada com toda a paixão que o artista já mostrava dominar.
Mas dos acordes iniciais de Insula ele define o tom do trabalho, antes de partir para uma sequência devastadora com Cut Me, In Bloom e Virile: é um disco sobre isolamento, solidão, inquietação e crítica à masculinidade tradicional. “Isolation comes from insula which means island”. O clima “desértico” que se aponta aqui e ali na primeira metade do disco dá lugar à explosão, com faixas upbeat e nervosas;. Cut Me é uma produção luxuosa (do já mítico Daniel Lopatin, homem por trás de Oneothrix Point Never), com um arranjo de sopro sustentando a melodia de um refrão inusitado. Em Virile, também single, a mensagem central para qualquer reflexão acerca da masculinidade em 2020; “Desperate for passing grades/ The virility fades/ You’ve got the wrong guy”. Um manifesto potente de um artista no auge do seu corpo – o metafórico e o literal – e de sua voz.
Há ainda, neste primeiro disco – ou, como tenho falado, na primeira metade – os climas que nos distraem dos manifestos mais “luxuosos” e diretos, em digressões estilísticas quase experimentais – como na sequência antológica Conveyor, Boxes e Gagarin – . O Disco 1 se encerra com Polly, um desabafo poético de chorar (e que mostra o artista literalmente chorando no vídeo já citado aqui).
É com essa emoção que Moses parte para o Disco 2, uma seleção mais espacial e “desértica”. Um deserto de isolamento, uma imersão emotiva e autoral redentora – Lucky Me, Bless Me, Me in 20 years – . O artista dá vazão à metade oculta do isolamento ou àquela que, em boa parte do Disco 1, busca uma superfície mais sólida para navegar.
Embora o Disco 2 pareça mais “fraco”, rompendo com o clima upbeat dos singles da primeira parte, me parece, no todo, um exercício contínuo de tensão entre as “metades”; o homem externo, o corpo viril em busca de desconstrução, a masculinidade e potência de sua raça imersa em preconceitos e conceitos íntimos de auto estima e encontro. Isso tudo em contato com outra camada, mais interna; a ampla solidão, promovida por tempos de preconceito, atomização e isolamento – literal e psicológico, mesmo em momentos pré-quarentena – . Trata-se, porque não dizer, de uma obra de duas metades, onde o Moses expõe uma visão externa de mundo, enquanto expõe suas vísceras no “fonograma” de forma corajosa e refrescante. Navegando entre seu próprio yin yang, nas sensibilidades do masculino e do feminino que o habitam.
Um disco para se ouvir (talvez) em duas partes, ou para se ouvir inteiro. Cada ouvinte buscando, nas novidades musicais que nos são apresentadas neste conturbado 2020, um caminho para “entrar” no magnífico universo de um dos mais promissores artistas da nossa época.
Márcio Viana
A VITRINE AINDA VIVE
Na tradição das bandas que mudam para não mudar, o Ira! chega renovado ao seu 15º disco de carreira (contando aí os três discos gravados ao vivo, sendo o último o inusitado Ira! Folk, com a formação reduzida à dupla Nasi/Edgard Scandurra).
Desde a cisão após o mal pensado Invisível DJ, álbum de estúdio produzido por Rick Bonadio que colocou o vocalista Nasi contra seu irmão e empresário da banda, Airton Valadão, e os demais integrantes, que além de Edgard eram o baterista André Jung e o baixista Ricardo Gaspa, até a reconciliação do núcleo base formado pelo vocalista e o guitarrista, em 2014, não havia um álbum com músicas inéditas.
Ao voltar, e sem chance de volta do baixista e baterista que gravaram todos os álbuns do grupo, a dupla recrutou músicos que os acompanhavam em suas carreiras-solo, como o baterista Evaristo Pádua e o multiinstrumentista Johnny Boy, veterano que já tocou com Marcelo Nova, Raul Seixas, chegou a fazer parte de uma formação do Camisa de Vênus, além de ter sido o tecladista de turnê do Ira! em muitos períodos, entre outros. No renascimento do Ira!, Johnny Boy é o baixista (o grupo também chegou a se apresentar com o filho de Edgar, Daniel Scandurra, no baixo, com Johnny Boy fazendo os teclados).
Ou seja, é outra banda, mas é a mesma banda. A exemplo de sua maior influência, o The Who, o Ira! entendeu que o importante era manter a química da parceria principal. As semelhanças não param por aí. A exemplo dos britânicos, que este ano lançaram um álbum intitulado apenas WHO, o Ira! de 2020 lança agora o seu IRA (sem a interrogação). E o que esperar da ira em caixa-alta do Ira!? Mais do mesmo. Não que isso seja ruim.
A bem da verdade, ao longo de uma carreira errática em se tratando do lançamento de álbuns, é provável que a banda nunca mais lance um álbum inovador como Psicoacústica ou provocador como Você não Sabe Quem eu Sou. Em suas dez canções, IRA é melhor e mais homogêneo do que Invisível DJ, mas não está tão longe de Entre Seus Rins, para o bem e para o mal.
A produção de Apollo Nove, que já trabalhou com nomes como Nação Zumbi e Planet Hemp, foi um grande acerto e extraiu o melhor do grupo.
Ainda assim, o álbum alterna momentos bons e razoáveis. Começa muito bem com O Amor Também Faz Errar (em que mais uma vez Nasi precisa acelerar para encaixar a voz na métrica proposta por Edgard, mas o faz muito bem). Mulheres À Frente da Tropa, cantada por Edgard e um coro feminino, é um folk a la Joan Baez que talvez fizesse mais sentido se tivesse uma cantora à frente também. Isso acontece, aliás, em Efeito Dominó, parceria de Scandurra com Virginie Boutaud, cantora do grupo Metrô (aquele do sucesso “e no balanço das horas tudo pode mudar” dos anos 80). Virginie, francesa, canta em sua língua nativa os versos da canção, no talvez melhor momento do álbum. Em Você Me Toca, chega a lembrar o clássico Vitrine Viva, de Vivendo e Não Aprendendo.
Um grande detalhe é que, a esta altura livre de grandes amarras de produtores e gravadoras, a banda está solta como nunca. Os solos de Scandurra estão ótimos e dividem bom espaço com os vocais. Os demais músicos são discretos, mas competentes. Se eu tivesse de atribuir uma nota ao álbum, daria um 7, que é uma bela nota. Vale ouvir, sim. Se não é um disco que nos arranca um sorriso, também não nos desperta um repúdio.
Brunno Lopez
LIFE IS MOVING ON
É com essa letra de um trecho da nova música do Viper lançada com os vocais do incrível André Matos que começo esse texto. Na realidade, “The Spreading Soul” está no primeiro disco sem o vocalista quando este deixou banda para integrar o Angra.
Mas hoje eu não vou me estender. Deixarei aqui uma carta escrita e assinada pelo guitarrista Felipe Machado pois pra mim é sempre muito difícil falar sobre o André sem inundar o teclado do computador.
“Hoje faz um ano que você morreu. Quando eu digo isso para as pessoas, muita gente me diz “um ano, já?” ou “o tempo voa”, quase um insulto de tão clichê. Insinuam que passou rápido, foi outro dia. Não tenho certeza. Aconteceram tantas coisas desde então que tenho a impressão de que 8 de junho de 2019 se passou há uma eternidade. Em outra vida, talvez, outro mundo, onde os relógios são loucos e a memória, traiçoeira.
Ninguém entendeu sua morte. A maioria das mortes vêm em um susto, mas a sua não fez sentido. Ainda não faz. Eu estava na praia, na casa do Quintino, quando uns jornalistas começaram a me ligar para confirmar se aquilo era ou não verdade. Na primeira vez eu nem liguei muito, achei que era ‘fake news’, fofoca. Quando o segundo jornalista ligou, no entanto, senti um arrepio que percorreu minha alma dos pés à cabeça.
Foi uma catarse, mas extremamente ambígua, porque fiquei muito feliz ao ver o amor que o público tinha por você, mas triste por saber que quando o último acorde daquelas homenagens soasse, a realidade voltaria a se impor. E ela era uma só: você não estava mais aqui.
Muito estranho tudo isso. Nunca imaginei que você seria o primeiro de nós a ir embora. Nunca imaginei, na verdade, que nenhum de nós pudesse morrer. Na minha cabeça, sempre fomos imortais. Sempre nos considerei invencíveis. A morte? Ela não chega para Soldados do Amanhecer. Os Cavaleiros da Destruição somos nós, estamos blindados contra as adversidades. As Asas do Mal nunca nos levariam através dos céus de maneira literal, que bobagem. Eram apenas metáforas ingênuas cantadas por adolescentes que fingiam não sentir medo dos filmes de terror exibidos na sala de TV do meu apartamento. Lembra?
Teve uma homenagem que foi marcante: no dia 13 de julho, a convite do Rafael, juntamos integrantes do VIPER, Angra e Shaman para um show na Praça da República. Ali mesmo, onde a gente comprava cintos e braceletes de couro e tachinhas de ferro vagabundo para imitar o Iron Maiden e o Black Sabbath. Se você estivesse vivo, essa reunião nunca teria acontecido. Imagina o que você diria se visse “Felipe Machado” em uma credencial do Angra? Pois aconteceu. E foi lindo. Você teve que morrer para juntar as suas três bandas no mesmo palco.
Quando tocamos “Living for the Night”, milhares de pessoas se uniram e cantaram aquela letra do Pit que você imortalizou. Foi tão alto e tão forte que achei que você ia conseguir ouvir aí no céu. No dia seguinte fizemos outro show em sua homenagem, VIPER e Shaman, e tocamos “Moonlight” em sua homenagem. A lua estava tão cheia, tão linda que achei que era você, nos olhando aí de cima. Tocamos a sua música corretamente, maestro?
Eu e o Baron planejamos uma turnê com os membros do VIPER e Shaman. A ideia era boa no papel, mas na vida real não deu muito certo. Muita gente, cada um com uma mentalidade. Todos caras muito legais, mas não foi para a frente. Fizemos apenas um lindo show em São Paulo, gravamos algumas versões de músicas antigas. A intenção foi boa, mas depois acabamos seguindo cada um o seu caminho, a gente com o Leandro; o Shaman com o Alírio. Quem sabe um dia tocamos juntos novamente? Seria o máximo.
Esse foi um resumo factual do que aconteceu no nosso mundo, mas há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia. A maior parte do que aconteceu, para falar a verdade, não pode ser descrito em palavras. Eu já sabia que você era amado, mas confesso que me surpreendi com o tamanho e amplitude desse sentimento. Percebi que não era apenas o amor dos fãs por seu ídolo. Havia e há algo mais, uma admiração por você como pessoa, como ser humano, muito mais profunda do que a relação entre público e artista.
Durante a missa que o Nando e o Teti organizaram pude ver a emoção das pessoas de perto. Gente que só conhecia o Andre Matos do palco, aquele famoso, me abraçava forte, como se tivessem perdido o André, o amigo. Difícil explicar o que senti naquele dia.
Foi a última vez que vi a Thais, do Pit, ela também se foi logo depois de você. Espero que tenham se encontrado aí em cima, manda um beijo para ela. Uma pessoa tão querida, Pit sofreu duas vezes na mesma semana, não sei como o coração dele aguentou. Tanta gente veio falar comigo naquela missa que parecia que o mundo inteiro havia crescido com a gente na Veiga Filho. Foi um híbrido de vazio, pela sua ausência, e orgulho, por ver a intensidade do amor de todos por você.
Você não foi apenas um vocalista. Você foi uma voz.
Esse sopro de harmonia que saía da sua garganta fazia as pessoa pararem para ouvir, não importa se você estivesse cantando ou falando uma das mil línguas que você falava. Havia um luto respeitoso, um carinho realmente mágico. Você mereceu e merece cada uma daquelas lágrimas. Alguns políticos oficializaram o 8 de junho como o “Dia do Heavy Metal”; uma fã batizou uma espécie de aranha com seu nome. Quando eu contei isso para o Dani, demos muita risada. Você acharia uma homenagem muito mais adequada.
Desde então muita coisa aconteceu. O Brasil andou para trás, o que não chega a ser uma surpresa. Andamos dois passos e voltamos dez, é nossa história. Assassinaram mais um negro desarmado nos Estados Unidos, protestos se espalharam por todo lugar. Infelizmente, não temos líderes no mundo, apenas bufões patéticos e ególatras. Você deve olhar para baixo e se sentir envergonhado. Eu sei, eu também me sinto.
Nada, no entanto, tem sido tão impactante quanto uma pandemia causada por um vírus novo. Você ia ficar surpreso com outra coisa: agora a realidade é uma questão de opinião. Cada um tem a sua própria verdade, já imaginou como isso está dando confusão? Nem adianta pedir, porque eu não consigo explicar como chegamos a esse ponto.
Hoje o mundo inteiro está te homenageando. O VIPER também, claro. Lembra quando você foi no estúdio do Lico ouvir o álbum ao vivo e não gostou da sua voz em “The Spreading Soul”? Lembra que você chegou a regravar um take da música? Pois o Lico recuperou os arquivos, o Guilherme organizou a regravação do instrumental. Tudo isso deu origem a “The Spreading Soul Forever”.
Você dizia que essa era uma das suas músicas favoritas, não é? Pois aqui está. Ficou linda, sua voz foi feita para ela. Nem posso falar muito porque o Pit tem ciúme. É a favorita dele, e a minha também. Mas agora não tem discussão: ela é eterna. “The Spreading Soul Forever.” Precisa ver o vídeo que o Eco e o Anderson criaram. Sua alma se espalhando por São Paulo, assistindo a gente aqui embaixo. Chamamos o Yves, ele ficou emocionado. Nem sei por que estou te contando isso. Você estava com a gente, tenho certeza.
Há anos que passam rápido, outros que demoram um século para passar. O tempo é persistente, mas não é muito confiável. Os dias, horas e segundos são apenas números. O que conta é o tempo que corre dentro do coração, as memórias que construímos ao longo dele. Rápido ou lento, não sei em qual dos dois se encaixa esse período entre 8 de junho de 2019 e 8 de junho de 2020. O que eu sei, porém, é que foi um ano incompleto. Um ano em que tanta coisa aconteceu e, mesmo assim, um ano vazio. Que falta faz a sua voz.”
Que falta mesmo.
Que falta.
Assista ao vídeo da música aqui
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana