Newsletter Silêncio no Estúdio Vol. 184

30  de janeiro  de 2023


Feliz ano novo queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio! A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Por Bruno Leo Ribeiro

ANTES DO MOON SAFARI E DEPOIS DO MOON SAFARI

Alguns discos são fundamentais para uma quebra. O Roots do Sepultura de 1996, é o que divide o Metal Clássico e o Metal Moderno que conhecemos hoje. Em 1998, alguma coisa estava borbulhando na época, outro disco foi essencial pra uma mudança na percepção de uma era clássica e uma era moderna. O Moon Safari da dupla francesa Air, foi um desses discos.

A dupla formada depois de algumas bandas e inovações de remixes, veio com seu disco de estreia Moon Safari e o super hit Sexy Boy. Tudo que a gente conhecia sobre música eletrônica foi modificada com as inovações da produção desse disco. Sem Moon Safari, não existiria muita coisa. Air está no patamar de inovação dos anos 90 de Massive Attack e Bjork. 

Moon Safari traz um mundo iluminado, chique e sofisticado. É quase uma versão eletrônica do Electric Light Orchestra, se misturando com o som sexy do Garbage e a sofistificação do Jazz. As referências estão ali, mas eles foram muito além. Andaram pra frente e criaram o futuro com o passado. É um disco que envelheceu como um bom vinho raro. Cada vez que se escuta, melhor ele fica. Até hoje!

O Pop dance eletrônico francês foi fundamental pra história da música. Daft Punk e Air abriram as portas para sons como o do Justice. A influência no desenvolvimento da história da música com o French Pop é inegável. De Stereolab até Tahiti 80, passando pelo Air e Daft Punk, temos que agradecer a existência de toda essa inovação na França. 

Ouça aqui o Moon Safari


Por Vinícius Cabral

UM ESPORTE ADOLESCENTE

Um dos momentos mais marcantes do disco de estreia da Beat Happening é a introdução de I Love You. Uma guitarra mascada, tocada com técnica sofrível, introduz a canção. O erro do instrumento parece nos preparar para uma peça que dificilmente pode ser classificada como canção de amor. Os “oh yeah” repetidos à exaustão e as frases soltas, descritivas, zombam do próprio título da música.

Beat Happening não viria ao mundo para nos trazer platitudes. Mesmo quando Calvin Johnson, um dos vocalistas, entrega versos apaixonados de um encontro casual com uma garota, como em Our Story, o que está em jogo é a mistura particular entre ingenuidade e zombaria. Foi o próprio Calvin quem disse, aos 17 anos, que o rock n roll é um “esporte adolescente”. Os yeah yeah yeahs de outrora, em uma ópera underground como esta, se transformam em cacofonia esquizofrênica.

Em uma mistura muito particular entre a languidez entediada de um Lou Reed e a energia despojada do punk, Beat Happening se introduz neste disco com canções que não passam de dois acordes. Guitarra e bateria (bastante truncada e rítmica) compõem a única cozinha que se ouve, em gravações caseiras que levariam ao universo fonográfico toda a tosquice amadora que mestres como Daniel Johnston e R. Stevie Moore já mostravam em suas home tapes.

Com Beat Happening, neste disco de 1985, a já formosa tradição lofi ganhava novos horizontes. Primeiro porque se tratava de uma banda da mítica Olympia. Segundo, porque se tratava de uma banda – não mais um doidão no seu quarto registrando canções pop da maneira mais rudimentar possível.

Beat Happening é uma das primeiras bandas a elevar o modus operandi da garagem, a partir dos anos 80,  ao patamar de banda de carreira. Emendou, a partir deste debut, mais 4 discos sensacionais, e compôs a cena da invasão indie generalizada que se deu no início dos anos 90. Abrindo caminhos para, por exemplo, a gigante Guided By Voices. Mas isso já é assunto para outro texto.

O que mais me encanta neste disco de estreia da banda de Olympia é a espontaneidade e honestidade de cada erro. De cada letra maliciosamente ácida e ingênua a um só tempo. O esporte adolescente praticado pelo trio estadunidense é um dos mais interessantes que já vi ser praticado em tantas décadas de canções de rock.

O rock alternativo, inevitavelmente, passa por Beat Happening, e sempre passará.

*Foi com esse texto pronto e formatado que recebi a notícia da passagem de Tom Verlaine. As devidas homenagens ficarão para a semana que vem. 

Ouça Beat Happening aqui 


Por Márcio Viana

FARTURA DE FRATURA

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Ultimamente tenho tido o privilégio da serendipidade: ao procurar um determinado artista ou álbum, acabo por encontrar algum outro que não estava no radar e traz a oportunidade de uma boa descoberta.

Foi assim que, ao iniciar pesquisa a respeito do clássico Paêbirú, de Lula Queiroga e Zé Ramalho, tomei conhecimento de No Subverso dos Metazoários, de Marconi Notaro, que resenhei em uma newsletter recente.

Eis que agora, ao pesquisar sobre o relançamento em vinil do disco de Marconi Notaro que fez a nossa cabeça, me deparo com este outro clássico que eu não conhecia: Tempo de Fratura, estreia do cearense radicado em São Paulo Alcides Neves.

Há pouca informação sobre o artista nas redes, mas sabe-se que o disco lançado em 1979 foi sucedido por Des-trambelhar ou não, de 1983 e faz parte de uma trilogia completada somente em 2008 com Dr. Louk’Américas, que não está disponível no streaming, mas que pode ser encontrado no Youtube, disponibilizado por alguma boa alma.

Nas poucas publicações que li a respeito do artista, tomei conhecimento de que houve uma tentativa de inseri-lo tanto entre os integrantes da Vanguarda Paulista (Arrigo, Tetê, Alzira, Itamar, e tal) quanto no Pessoal do Ceará (Fagner, Belchior), mas ele não se encaixava.

Dá pra entender: “se encaixar” não parece ser uma boa maneira de definir Tempo de Fratura: ele mostra a que veio e a razão de seu título. É possível definir a tal fratura no som e nas palavras, carregadas de deboche. Não é um clássico no padrão de clássico, é clássico porque fratura qualquer padrão. É disforme, porque a vida é disforme. Sem raiz, sem medo e sem manhã de sol, como ele diz em Hibernante In Tempore.

O disco, com 11 faixas, foi remasterizado e relançado pela Litoral Records, de Berlim, em parceria com a Três Selos, do Brasil. O vinil original circula por aí custando na faixa de 800 reais. Já a nova prensagem pode ser encomendada no Rush Hour por 23,99 euros.

Ouça Tempo de Fratura aqui 


Por Brunno Lopez

DALLAS GREEN, SENHORAS E SENHORES

O sonho de todo compositor é conseguir criar melodias acessíveis com letras pesadas, embaladas num timbre vocal tão gostoso quanto um daqueles gelatos italianos. Bem, essa aparente utopia é uma realidade bem irresistível do City and Color, principalmente no The Hurry and the Harm.

Quem poderia imaginar que, mesmo nesse oceano de criatividade inegável, Dallas Green apresenta suas vulnerabilidades questionando os próprios poderes nos versos de Two Coins: “I’ve always been dark, with the light somewhere in the distance”. Olhando de longe, pode até parecer modéstia exagerada, mas é assim que grandes artistas se vêem, como se fossem fraudes ambulantes esperando por um momento de revelação ao público.

Ora, uma fraude não conseguiria tocar almas e corações com acordes e letras, tampouco reunir para o disco pessoas do quilate de Jack Lawrence, do Dead Weather, Bo Koster do My Morning Jacket e o ex-baterista do Pearl Jam Matt Chamberlain, por exemplo. 

Se existe uma forma de embelezar a melancolia, The Hurry and The Harm é um desfile lindíssimo de catástrofes introspectivas, algo que fez de Dallas Green um detentor máximo do estilo, sabendo fazer chorar ao mesmo tempo que faz história.

Ouça aqui


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana